Terra Papagalli
“Democraceria Ltda”, um novo empreendimento comercial e criativo, que ira democratizar a democratização da nossa participação democrática na democracia nacional Ltda. Uma grande festa da democracia brasileira na forma de experiência corporativa 4.O
Críticas e apontamentos sobre Terra Papagalli:
Apreciação Crítica no Teatro – Um exercício livre
Os textos a seguir foram fruto do curso introdutório realizado no Centro Cultural Arte em Construção, sede do Grupo Pombas Urbanas, no bairro Cidade Tiradentes, em São Paulo, nos dias 17, 18, 19 e 22 de fevereiro de 2011. Eles devem ser lidos sob a perspectiva do exercício livre pertinente a todo espectador do Teatro, aqui instigado a organizar seu pensamento por meio da palavra. O material foi editado, mas respeitamos ao máximo o percurso de seus autores na interlocução com o espetáculo Terra Papagalli, da Trupe Olho da Rua, vinda de Santos, no litoral paulista, para deitar sua arte na Praça do 65 .
Valmir Santos, jornalista e ministrante do curso
Temperos de bufonaria reescrevem a história do Brasil nas ruas
Por Daniela Landin, jornalista
Sol forte no final de tarde do último sábado na Cidade Tiradentes. Em rua próxima a uma praça da Avenida dos Metalúrgicos, certa aglomeração. Gente de teatro, mas também muitas crianças da região, que deviam ter se dirigido para lá do parquinho de diversões ou das casas do entorno. No caminho entre o Instituto Pombas Urbanas e o espaço da apresentação, duas delas perguntaram, do alto da varanda de um sobrado: “Ei, onde vai ser o teatro?”. Parecem reconhecer de imediato quem é ou não do bairro. No local onde o espetáculo estava prestes a ser apresentando, alguns senhores se protegiam do sol embaixo do toldo de um pequeno bar, enquanto outras pessoas buscavam a sombra produzida pela fachada de uma residência. De repente, algo irrompe no espaço. Atores vestidos com roupas grossas e compridas, à moda antiga e de forma caricatural, passam a fazer algum estardalhaço. Chamam a atenção, rasgam a atmosfera de boa sociabilidade preservada até então. Barulhentos, com gestos afetados, dão início a um prólogo de impacto – o horror de um linchamento público é encenado à base de temperos de bufonaria, ou seja, a partir de humor ácido e politicamente incorreto. O espaço de representação está agora tomado por figuras perversas que, em seu show macabro, incitam o público a açoitar, com bolinhas de papel, o condenado, encapuzado ao centro. Ao lado, uma Kombi que faz às vezes de caravela e de onde se vê uma bandeira com a Cruz de Cristo, símbolo presente nos navios que partiam para expedições em busca de territórios a serem conquistados. Trata-se do século XVI. Estamos em Portugal. O linchado da vez é um certo Cosme Fernandes, tido como o primeiro rei do Brasil, também conhecido como Bacharel de Cananéia. Ele é enviado, junto com outros criminosos da corte, às terras que seriam descobertas. Terra Papagalli, inspirado em livro homônimo dos jornalistas e escritores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, apresenta um pouco da trajetória dessa figura, de quem tão pouco se sabe, na então Pindorama, como os índios chamavam o território que depois ganhou o nome de Brasil. Dessa forma, parte da história do país, que não está nos livros de História, é narrada a partir da biografia desse degredado, num misto de narrativa oficial, ficção e farsa. A apresentação se dá em saborosa relação entre público e artistas, com destaque para a intervenção de “Josefina”, como foi batizada pelos atores a mulher que, desde o começo, fazia-se presente, acabando por se tornar parte do elenco, uma personagem. Havia outra pessoa, um senhor também aparentemente embriagado – ao que consta de nome Ramos –, que, assim como Josefina, foi inserido em diversos momentos em que havia um coro ou como figurantes do espetáculo. No entanto, eles sempre reivindicavam mais espaço que o permitido, o que fez com que os artistas assumissem, muitas vezes, um papel “regulador” dessas intervenções. Sem pretender adotar um olhar inquisidor, parecido com aquele dos portugueses do século XVI, o caso parece nos fazer pensar a respeito das possibilidades da relação entre os fazedores de teatro de rua e as outras pessoas que integram o chamado espaço público. Afinal, os atores, após a apresentação, partem para outras expedições. O “nativo” permanece. Na sequência de Terra Papagalli, da Trupe Olho da Rua, importante grupo que resiste há 8 anos na cidade de Santos, o Bando La Trupe, do Rio Grande do Norte, iniciou seu espetáculo. Enquanto Ramos, estirado ao chão, recuperava-se de uma possível baixa de pressão, Josefina estava lá, dançando com a atriz de Alice e Severino, trabalho de rua que passava a ser apresentado aos moradores de Cidade Tiradentes.
Terra Papagalli: justiça e bom humor em praça pública
por Daniel Marques, ator da Trupe Arruacirco
No dia 19 de Fevereiro, debaixo de um sol escaldante, a Trupe Olho da Rua entrou em cena, na Praça do 65, Cidade Tiradentes, com o espetáculo Terra Papagalli. A peça encenada na rua começa com um fato importantíssimo: “Vamos fazer justiça em praça pública”. De que forma? O espetáculo conta uma outra versão da história do Brasil, diferente da “história oficial” que nos é ensinada na escola, e abrindo possibilidades de analisarmos o nosso passado histórico de um ponto de vista amplo e esclarecedor. Terra Papagalli nos mostra de uma forma bem-humorada quais foram os sujeitos que colonizaram o nosso país, os degredados portugueses, que fugidos de sua terra falida, Portugal, vieram ao nosso paraíso verde e amarelo para roubar nossas riquezas, explorar os índios, impor o ideal europeu, sem levar em conta que o Brasil já era habitado pelos indígenas e por isso já tinha seus traços culturais muitos fortes e estabelecidos. Com roubalheiras e mentiras nos foi levado tudo. A peça em sua forma nos é apresentada por atores dispostos a enfrentar os desafios apresentados pelo Teatro de Rua: O sol forte, a interação com o público e a participação do mesmo do começo ao fim. O que não pode faltar são os bêbados e o elenco teve que improvisar com três ao mesmo tempo, destacando os momentos hilários da bêbada “Josefina”, que a todo momento dançava entre uma cena e outra. O grupo aposta em um teatro de rua itinerante e participativo a todo momento, fazendo com que o público caminhe junto com a história do Brasil, que é um pouco longa: também pudera, falar do nosso país requer tempo. Destaco aqui o humor rasgado que o grupo levou às cenas, utilizando o contexto histórico e fatos atuais para pescar a atenção do público e manter a interatividade, como no momento em que entra um índio cantando “Índio fazer barulho” (música interpretada por Xuxa), fazendo com que o público entrasse no jogo cênico. A identificação é um ponto forte entre atores e público. Na cena final onde entra o Hip-Hop sendo cantado pelos índios, surge o pedido de justiça e é incitada uma revolução em que o público também participe, e vá atrás dos algozes. Mas como fazer a Revolução? Como lutar por reparação histórica? (Essa é a cena que pode ser o estopim, o ápice da peça). O pedido de justiça foi feito em praça pública, e retornamos ao passado onde a praça era local de discussões e decisões políticas. Ao término da apresentação, foi emocionante ver quantas pessoas saíram de suas casas, apartamentos, Cohabs, para ver o teatro acontecer na rua: senhoras, senhores, crianças de colo, meninos, mulheres, bêbados. A Trupe Olho da Rua, é da cidade de Santos e nos mostrou que a rua é espaço de debate político (sem perder o bom humor), troca de experiências entre ator e espectador, e que a rua é um espaço aberto e democrático de encontro. O espetáculo chega ao fim, mas a história continua…
Variações sobre o baú da história brasileira
Por Claudio Pavão, ator do Pombas Urbanas
O espetáculo Terra Papagalli, da Trupe Olho da Rua, conta a história de um degredado do início do século XVI, como “O Bacharel de Cananéia”, o primeiro rei do Brasil. Uma farsa épica itinerante, encenada na Praça do 65 na Cidade Tiradentes ao som de música ao vivo. Terra Papagalli estabelece um diálogo que percorrem o Brasil desde seu descobrimento, até os dias de hoje. O dia iniciou com um intercâmbio artístico realizado no Centro Cultural Arte em Construção, onde conhecemos melhor a história da Trupe Olho da Rua, de Santos. As roupas coloridas sem uma uniformidade e maquiagens diferentes davam um tom de curiosidade para saber e conhecer melhor cada personagem e a sua história. Os caixotes (objetos que serviam de cenário à peça), em forma de baú, demarcavam o espetáculo e eram utilizados em toda cena. O curioso foi saber que a primeira versão de Terra Papagalli, ainda com outro nome, tinha uma duração de 2h30min e, depois, adaptada para 1h30min. Imagino que talvez a peça possa merecer alguns ajustes, como: – Diminuir a quantidade de cenas, isso torna o espetáculo mais dinâmico e podendo ser feito um aproveitamento melhor dos personagens e atores; – Talvez, ocorrendo a diminuição de cenas, a itinerância não seja notada pelo público. Pois a montagem deu a perceber que o público não é acostumado com o fato de ser realizada em espaços diferentes, com deslocamentos das cenas. O que eu notei era um público um pouco cansado com o tempo desanimado com a troca de espaços sendo feita em cinco partes. Meu olhar ficou muito curioso para saber como os atores fariam para entreter o público em um espetáculo cujo tempo de 1h30min e realizado em espaços diferente. Notei também um tom meio de suspense ou de algo novo, para que o público ficasse curioso de continuar. Em falar em publico, interessante o jogo cênico realizado com dois transeuntes que ficaram do começo ao fim do espetáculo contracenando com os atores. A participação deles foi algo inesperado, pois eles saiam e entravam no jogo cênico e em algumas partes até tinham suas falas.
Trupe de teatro de olho na rua e na praça
Por Fernando Alves, ator do Pombas Urbanas
Sete atores da Baixada Santista animaram praça da periferia paulistana neste último sábado. A Trupe Olho da Rua apresentou seu espetáculo Terra Papagalli no bairro Cidade Tiradentes. E o fez com extrema habilidade ao envolver o público em suas cenas engraçadas e provocadoras. Embaixo de um sol de 30 graus, a trupe não cedeu ao calor nem mesmo às interferências de duas figuras que quase atrapalharam a apresentação. Pelo contrário, com muito jogo de cintura incorporou os dois moradores de rua em sua peça, ajudando a contar a trajetória de invasão e dominação desse país tropical, abençoado por Deus (e dominado pela Igreja) e bonito por natureza (explorada, coitada). Se utilizando de referências atuais e irônicas, tais como a apresentadora Xuxa e a TV Globo, o espetáculo retrata a imagem do índio brasileiro, enganado pelos dominadores portugueses e espanhóis que, por sua vez, são ridicularizados em figuras patéticas. O grupo fez jus ao seu nome e mostrou que seus atores são o próprio olho da rua, que enxergam e brincam com as realidades nas praças e ruas do litoral ou da metrópole.
Comer e ser comido, ou em paraíso de cara-pálida europeu não vira espeto
Por Gyory Raimondi, estudante de Filosofia
O Brasil era a terra do exílio; vasto presídio com que se amedrontavam os heréticos e os relapsos, todos os passíveis do morra per ello* da sombria justiça daqueles tempos. (Euclides da Cunha – Os Sertões) * condenação à morte no exílio. O teatro é, a mim, coisa desconhecida, que admiro, mas que ainda não sei lançar olhos. Digo, porque além de me parecer importante recriar nossos dizeres, aprender novos alfabetos – o olhar sempre se (des)educando para o mundo – acho que devo ressaltar a ingenuidade, quase um descompromisso, do que vou dizer. Assim, com a proposta de materializar as (mesmo que singelas) impressões do espetáculo, atravessei a cidade – mais de 2 horas de condução – e assisti às desventuras de uns tantos portugueses, ali, na região de São Vicente, na singela e bonita Cidade Tiradentes. A Trupe Olho da Rua, grupo de teatro de Santos, nos trouxe esta história. Nela conhecemos, dentre tantos, um tal de Cosme Fernandes, ou Bacharel de Cananéia, homem desconhecido de nosso passado e personagem central da peça, expulso de Portugal por “comer a rosca” da mulher que amava (rosca que Josefina, incorporada na peça, distribuiu às crianças ali sentadas). Aqui, ele e o grupo de expatriados descobrem um povo diferente em tudo; ou quase: o índio, de cor diferente, hábito diferente, cultura diferente, traz incorporado em seu modo de vida aquilo que a peça diz a todo momento: quem não come, é comido. E nos embates que se seguem, índios e brancos vão se percebendo, se conhecendo, fitando o semblante a se digerir. Comendo e sendo comido, o Bacharel de Cananéia segue sonhando em retornar à Europa, reencontrar a mulher que ama, ser tido como rei, escravizar tantos índios quanto pudesse, dominar esta terra. Ali todo mundo come e é comido, e não poderia ser diferente – a rua é este espaço de conflito, de estranheza e imprevisibilidade. Os atores tendo de comer o bêbado que adentrava a cena com seu saquinho de pão e também sendo comidos por ele e por Josefina, que nos roubavam a atenção com suas entradas engraçadas e reveladoras… Num encontro de índios e brancos, estes dois negros fizeram da peça a miscelânea que são as raízes desta nossa terra de sabiás e papagaios. No escambo torto, sentimos o espirro do europeu na face do índio, índio de nossa tribo – os atores faziam questão de nos colocar como parte da tribo. Da Kombi, que era a Nau e o Forte, pouco saboreamos: podia, também, ser outro ator, fazer-se mais presente. Presente como o tom de deboche e as piadas toscas que tanto divertiam, como o churrasquinho servido ao final, que transparece um interesse da Trupe em criar e recriar relações, em dividir experiências, em partilhar esta história que, invariavelmente, está sendo narrada e encenada – a vida. Porque lá, no Sol quente, naquele asfalto duro de escaldar, sem sombra e sem refresco, também participamos daquela passagem da história de São Vicente quando um grupo desorganizado de portugueses, malucos, hereges, criminosos – aqueles, em suma, marginalizados, que distorcem a ordem das coisas – cai por aqui, para “colonizar” esta terra “descoberta por eles”. Em Portugal era assim: escorregou, cai no Brasil; num Brasil desconhecido, de terreno gigantesco; universo estranho, quase que inimaginável. Foi também chamado “Paraíso”. Mas o apelido não pôde perdurar, porque em paraíso de cara-pálida, europeu não vira espeto.
Crítica social abre mão de bandeira ideológica em cena
Por Marcelo Palmares, ator e codiretor do Pombas Urbanas
Sol intenso, calor de 33°C onde avistamos um cortejo que culmina no julgamento de um judeu herege. Assim começa o espetáculo Terra Papagalli, da Trupe Olho da Rua. Com imenso vigor, o grupo vai envolvendo o público, onde durante cerca de uma hora e meia discorreu em cenas, a história do que seria o primeiro rei do Brasil no século XVI, o bacharel de Cananéia, estabelecendo um diálogo crítico sobre os valores éticos que permeavam a Terra de Santa Cruz naquela época e assolam o país até hoje. Com música ao vivo, composta pela própria Trupe e deslocamentos pelo espaço cênico, a rua, de forma a conduzir o público de forma participativa e atuante o grupo vai desfiando momentos do descobrimento e as falcatruas da manutenção do poder que ainda regem este país até hoje. O público, composto por moradores do bairro Cidade Tiradentes – crianças, bêbados e loucos – vai encontrando seu lugar no espetáculo, ora atuando, ora fazendo parte do coro. E ora, ainda, refletindo sobre as cenas, mas nunca totalmente passivo à encenação. Em algum momento, próximo ao final, o espetáculo perde um pouco seu ritmo, creio mais por conta do calor excessivo do que pela atuação dos atores que representam muito bem o homem daquela época. Vale destacar as variações e potências vocais que indicam o treinamento próprio que o grupo desenvolve para a rua. Faz-me muito acreditar que sempre é possível fazer crítica social politizada sem ter que carregar bandeiras ideológicas.
A arte de se integrar e se perder
Por Rafael Costa, ator do Filhos da Dita
No dia 19 de fevereiro de 2011, um sábado, às 16h, na Praça do 65, iniciou o espetáculo Terra Papagalli com o grupo Trupe Olho da Rua. Eles demonstraram, no começo, estar um pouco perdido por causa de duas pessoas da platéia que embriagadas, mas conseguiram fazer com que essas pessoas se integrassem ao que estava acontecendo. O espetáculo foi cada vez mais dinâmico, mas como ele mudava muito de lugar e estava calor, teve uma hora em que não tinha resposta do publico: a apresentação foi legal, porém, eu esperava mais da obra. Sonoplastia: é melhor a música ao vivo, dá outro efeito em relação ao playback. Figurinos: simples, mas tinha um cuidado e condiz com o espetáculo e com o personagem. Adereço: condiz com o espetáculo e estratégico para com as cenas.